terça-feira, 24 de abril de 2012

#9


Existem momentos em nossas vidas que olhamos para os lados e sentimos que, por mais que tudo permaneça do jeito que sempre foi, tudo parece estar diferente.

Quando crianças talvez não nos déssemos conta do quão hostil o mundo era. Pessoas em nossas vidas zelavam por nosso conforto e segurança e cuidavam do que eram nossas responsabilidades. Nossas maiores preocupações eram as tarefas escolares ou aquela fase naquele jogo a qual não conseguíamos encontrar a passagem secreta.

Assim que alcançamos certa idade descobrimos que o mundo e as pessoas fora do âmbito social o qual vivíamos não eram tão amigáveis quanto pareciam. Saímos da nossa zona de segurança para sermos esmagados por um novo mundo que, quanto mais o conhecemos, menos queremos conhecer.

Logo começamos a nos deparar com situações que nos fazem sentir estúpidos, pessoas que sentem prazer em nos prejudicar e aquelas que intencionalmente ou não, mentem e nos fazem sofrer. Percebemos que certas diferenças entre nós e o resto do mundo nos impossibilitam de conviver espontaneamente e começamos a fingir ser pessoas que não somos, somente para fazer com que essa convivência seja ao menos tolerável.

A partir deste momento, não demora muito para percebermos as mudanças. Passamos mais da metade do nosso tempo imersos em atividades sociais, boa parte delas com pessoas que não nos identificamos ou não gostamos, mas com as quais precisamos conviver. Nossas semanas ficam divididas entre nossos deveres com a sociedade e os momentos em que podemos fazer aquilo que gostamos com as pessoas que amamos – e este último faz parte de uma fatia ínfima de todo o resto. Este ciclo nos desgasta a cada dia, fazendo os momentos felizes parecerem cada vez menores se comparados ao trabalho que temos para mantê-los.

Somos todos masoquistas. Seguimos empurrando a vida, ferindo a nós mesmos todos os dias em função de pequenos prazeres. Depositamos nossas esperanças em futuros incertos para fazer com que possamos suportar um presente que, ironicamente, era o futuro de ontem. 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

#8

Sempre que tenho o desgosto de sair de casa para algum lugar público eu procuro um espaço disponível na minha mente para observar o mundo à minha volta. São em momentos como esse que, registrando as atitudes e o comportamento das pessoas, eu me pergunto: por que vivemos? Pelo que vivemos?

Muitas das pessoas que vivem consideravelmente felizes nunca pensaram em nada muito profundo. A maioria se contenta com o fato de que estudar, trabalhar e conseguir dinheiro para suprir suas necessidades materiais até morrer numa idade avançada por causas naturais ao lado da família e amigos é o que justifica e dá sentido à vida.

Não posso dizer que essas pessoas estão certas ou erradas. Afinal, não existe certo ou errado nesse caso. Somos nós que decidimos o que dá ou não sentido às nossas vidas. Mas, por se contentarem com tão pouco, a vida dessas pessoas é feliz. Por eu não me contentar tão facilmente, minha vida é um inferno.

Não me entendam mal. Não é que eu não me contente com nada. Eu só me sinto deslocado no meio disso tudo. Minha existência se resume a uma vida que, ao meu ver, não tem propósito.

Essas pessoas realmente gostam de viver nessa realidade? Elas realmente gostam de acordar cedo e ir à escola ou ao trabalho, conviver com pessoas que não suportam e aceitar os abusos de uma sociedade violenta e hostil? Elas realmente gostam de se esforçar realizando essas tarefas, sabendo que a recompensa – isso quando tal coisa existe – é totalmente insatisfatória?

As pessoas lutam pela felicidade, mas em contraste com todo esse trabalho que elas têm para alcançá-la, esse sentimento é capaz de se sobrepor à toda dor e tristeza que o mundo lhes causa?

Você que está lendo essa postagem. Você é feliz? Plenamente feliz?

Ou é só mais uma existência que, assim como eu, tem consciência da falta de sentido da vida?

quarta-feira, 16 de março de 2011

#7

"Não é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada."

- Fernando Pessoa

Acho que não existe nada pior com o que lidar do que o tédio. Eventualmente – ou habitualmente, como seria o meu caso – ele nos ataca e, desesperadamente, queremos fazer alguma coisa para expulsá-lo. O difícil é obtermos êxito nessa tarefa. Quando queremos sair, não temos com quem ou pra onde; procuramos nos entreter com outra coisa, mas nada nos prende a atenção.

Quem nunca passou uma adorável tarde de domingo olhando para a janela do MSN esperando algo diferente acontecer? Surgir uma conversa com um assunto interessante, ou alguém ligar convidando para ir a algum lugar, ou olhar para o céu e ver naves alienígenas invadindo a Terra.

Porém, a maior frustração não é não poder fazer aquilo que você gostaria para sair do tédio; frustrante é você estar entediado e não saber o que fazer para o tédio passar. Estamos sempre na expectativa. À espera de alguma novidade.

Sou só eu ou o mundo está perdendo a graça?

Nada mais parece ser interessante. As novidades não são mais novidades. O dia começa e acaba e tudo parece sempre mais do mesmo. Novos filmes são lançados e, por melhor que o filme seja, ao terminar de assistir você fica com aquela sensação de déjà vu. O mesmo acontece com bandas, livros, jogos. Nada parece ser tão atraente quanto era alguns anos atrás. Citando Renato Russo, o futuro não é mais como era antigamente.

No final, só há o tédio. E a incerteza de se um dia ele passará.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Você olha um relógio...

"Você olha um relógio. Ele funciona, mostra as horas. Você tenta compreender como ele funciona e o desmonta. Ele não anda mais. E no entanto essa é a única maneira de compreender."

- Andrey Tarkovsky

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Childe Roland à Torre Negra Chegou

de Richard Browning

I

Primeiro pensei: ele mentiu a cada sentença.
O coxo encanecido, com olhos cheios de malícia,
Ávidos por ver nos meus de sua mentira a perícia
E com a boca sem conter a alegria intensa
Que repuxava seus cantos na crença
De que o predador outra vez se sacia.

II

Qual outro seria o intuito, com seu cajado?
Qual senão emboscar e laçar os andarilhos
Que porventura o encontram pelos trilhos
E vêm pedir direção? Que risada má eu teria escutado,
Quem deixaria meu epitáfio marcado
Por diversão nos terrosos caminhos,

III

Se ao seu conselho eu devesse me desviar
Para aquele curso sinistro que, é sabido,
Esconde a Torre Negra? Porém eu, de boa-fé imbuído,
Tomei o indicado caminho, sem orgulho demonstrar,
Nem esperança rediviva ao ver o fim se aproximar,
Mas sim gratidão pela idéia de algum fim existir.

IV

Pois, se depois de o mundo todo vagar,
Se na minha busca ano a ano estendida
Minha esperança tornou-se uma sombra encardida
E incapaz de com o gozo ruidoso da vitória lidar,
A festa no meu coração eu mal pude refrear
Quando este entreviu a batalha perdida.

V

Assim como um doente à beira da morte
Já parece morto, e pressente o pranto fatal,
E recebe de todos a despedida amical,
E escuta ao longe a saída de outro consorte
Para respirar lá fora, (não se muda a sorte,
Ele diz, e o pesar não se alivia com o golpe final)

VI

Enquanto outros debatem junto às covas,
Se há espaço para o caixão e que hora
É a mais apropriada para levá-lo embora,
Sem esquecer dos estandartes, hinos e estolas,
O homem ouve cada uma dessas estórias
E, respeitando tanta candura, quer partir sem demora.

VII

Assim, já sofro há tanto nessa jornada.
Já ouvi do fracasso o vaticínio e a confirmação
Para tantos e tantos companheiros da Afiliação
De cavaleiros que da Torre Negra atendem a chamada,
Que falhar como eles me pareceu a coisa acertada
E a única dúvida era: não seria essa minha função?

VIII

Tão quieto quanto o desespero eu dei as costas
Àquele coxo odioso, abandonando sua via
E adentrando o caminho apontado. Todo o dia
Havia sido lúgubre, e as sombras, sobrepostas,
Fechavam-se a minha volta, mas uma olhadela torta,
Rubra e carrancuda, ele lançou à planície todavia.

IX

Por Deus! Logo assim que me encontrei
Jurado à planície, após não mais que uma passada,
Parei para um último olhar à segurança da estrada
E nada mais havia, só a planura cinza avistei
Nada senão a vastidão sob o céu do astro rei.
Sem mais a fazer, decidi seguir caminhada.

X

Assim, fui adiante. E creio nunca ter visto
Natureza tão miserável e ignóbil, onde nada medra:
Pois as flores - ou mesmo um cedro entre a pedra,
Embora murchando como pela sua lei previsto,
Mesmo no abandono perduram, pensaria você;
Descobrem-se tesouros quando a casca quebra.

XI

Mas não! Penúria, feiúra, inércia.
Em condição estranha está essa parte da terra.
"Veja, ou feche os olhos", a Natureza berra,
"Não há escapatória: ela é de todo néscia,
Só o fogo do Julgamento Final trará a panacéia,
Calcinando o chão e livrando os presos que ele cerra.
"


XII

Se havia ali
alguma ressequida haste de cardo,

Seus colegas não se achavam, e o talo estava decepado.
O que fez aqueles buracos e rasgos no folhado
Escuro e duro da bardana, tão machucado
Que era impossível pensá-lo regenerado?
Era preciso que um bruto as tivesse pisoteado.

XIII
Quanto à relva, era como o cabelo escasso
Dos leprosos; magras lâminas secas na lama
Que parecia ter por baixo uma sangüínea trama.
Um cavalo cego e rijo, ossos à vista, lasso,
Parava ali, estúpido; havia chegado àquele pedaço:
Rebento que o garanhão do diabo não reclama!

XIV

Vivo? A meu ver poderia muito bem já ter partido,
Com seu pescoço rubro, descarnado e macilento.
E os olhos fechados por sob o pêlo bolorento;
Nunca o grotesco andou à desgraça tão unido;
E jamais senti por criatura ódio tão ardido:
Ele deve ser mau para merecer tal sofrimento.

XV

Fecho meus olhos, e os volto para o meu coração,
Como um homem que pede vinho antes de lutar,
Visão mais feliz, de outro tempo, eu quis saborear
Para ficar mais apto a encarar minha missão.
Pensar antes, lutar depois, eis do soldado o bordão:
Um vislumbre do passado pode a tudo acertar.

XVI


Mas não! Imaginei de Cuthbert a face corada
Em meio a seu adorno de cachos dourados,
Querido amigo, eu quase o senti laçar meus braços
Para me colocar a postos na caminhada
Como ele sempre fez. Ai, noite desgraçada!
O fogo no meu coração se apagou, deixando-o gelado.

XVII

Giles então surge - ele que é da honra a alma,
Leal como há dez anos, quando tornou-se cavaleiro
Capaz de ousar tudo que ousaria um homem verdadeiro.
Mas - argh - a cena se modifica! Um carrasco infama
Seu peito com um aviso que para todos informa:
Desprezado e amaldiçoado; traidor rasteiro.

XVIII

Do que um passado assim, melhor este presente.
Que eu volte então para meu caminho triste.
Nenhum som, nada que se veja ao longe em riste.
"Aparecerá morcego ou coruja após o poente?",
Perguntei quando algo na planície descrente
Capturou e dominou meu pensamento num despiste.

XIX

Um súbito córrego atravessava meu caminho.
Veio tão inesperado quanto uma cobra,
Sem o lento escorrer que a atmosfera desdobra.
Poderia ser um banho, com seu burburinho,
Para o casco do demônio, a ver seu redemoinho
Negro borbulhar com espuma e faísca rubra.

XX

Tão pequeno e ao mesmo tempo tão mau.
Amieiros o cercavam, rasteiros e mirrados;
Salgueiros afundavam-se e afogavam-se desesperados
Numa síncope muda, num atropelo mortal:
Quem os destruiu foi esse carrasco manancial,
E, fosse ele o que fosse, fluía sem ser desviado.

XXI


Bom Deus, ao adentrar seu leito, quanto medo
De pisar o rosto de algum cadáver humano,
A cada passo - tateando com um ramo
A cata de buracos - seus cabelos entre meus dedos.
Um rato-d'água talvez tenha por acaso lancetado,
Mas, argh, parecia o grito de um menino.

XXII

Estava feliz quando cheguei ao outro lado.
Agora terras melhores me esperam. Vã esperança!
Quais foram os contendores? Qual foi a matança?
Que trotar selvagem pôde fazer desse solo molhado
Um atoleiro? Sapos em um tanque infectado
Ou gatos selvagens numa cela em incandescência -

XXIII

Assim deve ter sido a luta naquela arena decadente.
O que os trouxe até lá, se tinham toda a planície?
Nenhuma pegada na direção daquela imundície,
Nenhuma dela se afastando. Alguma poção demente
Agiu em seus cérebros, sem dúvida, como no da gente
Escrava - judia e cristã - que o turco atiçava por malícia.

XXIV

E além de tudo - a uma milha -, o que era aquele achado?
Para que mau intuito servia aquela máquina, aquela polia -
Um travão, não uma polia -, aquela grade que fiaria
Corpos humanos como se fossem seda? O ar desonrado
Dos rituais de Tophet, na terra perdido, ou invocado
Para afiar o enferrujado metal da sua gradaria.

XXV

Então uma terra de galhos, que um dia foi floresta;
Depois algo como um pântano; e agora apenas terra dura,
Desesperada e acabada (um tolo encontra ventura,
Faz algo e em seguida o destrói, seu humor desembesta
E ele o abandona!). Por dez ares, chão que cresta,
Lamaçal, seixos, areia, e uma esterilidade negra, impura.

XXVI

Agora, pústulas inflamam-se em cor forte,
E medonha. Agora, remendos onde a aridez do chão
Tornou-se musgo, ou substâncias em ebulição;
Surge então um carvalho, e nele há um corte
Como uma boca distorcida que cava seu porte
Num bocejo para a morte, morrendo em seu repuxão.

XXVII

E tão longe como nunca o fim se afigura!
Nada no horizonte senão a noite, nada
Que direcionasse adiante minha passada!
Isso pensei, e surgiu um pássaro de imensa negrura
Amigo de Satã, a asa de dragão, na largura,
Roçou meu gorro - talvez esta fosse a guia procurada.

XXVIII

Ao olhar para cima, apesar do anoitecer,
Vi com mais clareza. A planície dera lugar
Às montanhas que a cercavam - nome muito invulgar
Para meras alturas feias e montes a não mais ver.
Como poderiam elas ter-me surpreendido, tente esclarecer!
Como vencê-las também não era fácil deslindar.

XXIX

Mas ainda assim, pareci reconhecer certo truque
Do qual fui vítima, Deus sabe quando -
Talvez em um mau sonho. Aqui estava terminando
O progresso por este caminho. Quando fiz que
Desistia, mais uma vez, soou um clique
Como o de um alçapão atrás de mim se fechando.

XXX

Veio a mim de imediato, como fogo em um milharal.
Era este o lugar! À direita, esses dois morros, agachados,
Como dois búfalos com os chifres enganchados;
Enquanto à esquerda, uma montanha alta... Boçal,
Imbecil, vacilar logo na hora mais crucial,
Você que treinou uma vida para ter olhos afiados!

XXXI

E se a própria Torre estivesse no centro? Redonda
E atarracada, cega como um coração rasteiro,
Feita de pedra marrom, sem igual no mundo inteiro.
O elfo, caçoando da tempestade que o ronda,
Aponta ao timoneiro o banco que ninguém sonda.
Ele aporta, por pouco não rompendo do casco o madeiro.

XXXII

Não vê-la? Talvez por conta da noite? - se o dia
Ressurgiu para isto! E antes de partir novamente,
O poente brilhou por uma fenda rente:
As colinas, como gigantes caçadores na tocaia,
Esperando que a presa na armadilha caia -
"Agora ataquem e matem a criatura, inclementes".

XXXIII

Não ouvi-la? Com tantos sons à volta! O ribombar
Dos sinos cada vez mais alto. Nomes nos meus ouvidos,
Todos os aventureiros, meus companheiros perdidos -
Como, se um era tão forte, outro de tão corajoso bradar,
Outro tão afortunado, como foram perdidos acabar?
Um instante trazia tantos anos de sofrimentos renascidos.

XXXIV

Ali estavam eles, pelos lados dos montes, unidos
Para assistir meu fim. Eu, uma moldura animada
Para mais um quadro! Numa súbita labareda
Eu os vi e reconheci a todos. E, destemido,
Deixei meus lábios formarem um bramido:
"Childe Roland à Torre Negra chegou", foi minha chamada.